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Estados e municípios buscam retomar obras das Creches Proinfancia em todo país.

Edição do Fantástico dia 09/08/2015
Faltam mais de três milhões de vagas em creches e pré-escolas públicas.

Levantamento foi feito pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Em algumas regiões, espera por vaga pode levar mais de um ano.

Um problema tem deixado muitas famílias angustiadas. Um estudo com dados nacionais feito pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul revela que faltam mais de três milhões de vagas em creches e pré-escolas públicas, para alunos até cinco anos de idade. Muitos pais deixam de trabalhar simplesmente porque não têm com quem deixar os filhos. O Fantástico percorreu o país e encontrou obras paradas ou abandonadas, e uma coleção de desculpas.

Veja no final do texto os Rankings Nacionais de Atendimento em Creches e em Pré-Escolas.

“Eu acho falta de respeito com as mães”, diz uma mãe.
“Eu dependo de ajuda, porque não tenho com quem deixar, conta outra.
“Pagar creche particular, é fora de cogitação”, explica outra mulher.
“Ela dizia ‘Ah, mãe, eu vou entrar na minha creche. Um dia, a minha creche vai ficar pronta', conta esta outra.
O que essas mães estão pedindo é algo simples: o cumprimento da lei. Está no Estatuto da Criança e Adolescente: é dever do estado garantir atendimento em creche e pré-escola a todas as crianças até os cinco anos de idade, mas essa lei não é cumprida para 3,4 milhões de meninas e meninos espalhados pelo Brasil. Esse é o número de vagas que as prefeituras precisam criar para incluir as crianças na creche e pré-escola. Só nas creches, faltam 2,7 milhões de vagas.
 
Da janela de casa, Gisele vê um sonho distante: a creche que deveria ter ficado pronta em abril do ano passado, mas que até agora ficou só na obra. “Bastante pressa para que acaba logo, para ver se eu consigo colocar ela, sabe, porque é tão pertinho, né”, diz a dona de casa Gisele de Andrade Mineiro.

 
E, para não ficar só esperando, a mãe acaba virando professora. “Estou ensinando o alfabeto, já estou ensinando as letras, o A, o B, o C”, conta Gisele.

 
Junto com Gisele estão diversas mães de Porto Alegre. A capital gaúcha precisa criar 15.965 vagas em creches e pré-escolas. É a oitava colocada no ranking nacional de capitais em atendimento na educação infantil.

 
As prefeituras do Brasil precisam correr contra o tempo: têm até o ano que vem para garantir a vaga de todas as crianças entre quatro e cinco anos e, até 2024, têm que matricular metade das crianças de até três anos nas creches. “Os estudos mostram que o crescimento, o desenvolvimento de habilidades nessa fase da vida ou ocorre nesse momento ou ele não será superado”, diz o presidente do TCE-RS, Cezar Miola. 

 
Essas metas que as prefeituras precisam cumprir foram definidas pelo Plano Nacional de Educação, uma lei aprovada no ano passado. Para ajudar os municípios, o Ministério da Educação criou o programa Proinfância. Deveria funcionar assim: as prefeituras contratam uma empresa para fazer a obra e o governo federal dá a maior parte do dinheiro. O projeto deveria levar no máximo um ano para ficar pronto. Deveria ser simples e rápido, mas não é.

 
Em Porto Alegre, das 43 creches que a prefeitura financiou pelo Proinfância, só quatro foram entregues. Tem obra abandonada, obra que começou, parou e começou de novo, e muita mãe sem encontrar vaga.

 
“A gente estava até se revezando. Ela procurava um pouco numa parte, eu procurava na outra, e a gente ia se falando, mas, por enquanto, nada ainda”, diz a faxineira Maria dos Santos.

 
“Eu tenho que dar um jeito de arranjar creche para ela, não tem como ficar sem trabalhar”, aponta a recepcionista Kitele Corso.

 
Quem também está sem trabalhar é a Fabiana. Quando planejou a gravidez, ela não imaginava a surpresa: nasceram duas, as gêmeas Gabriela e Mariana. A mamãe então saiu em busca de vagas em creches do bairro onde mora, em São Paulo, mas ouviu a mesma resposta.

 
“Me disseram só para aguardar, hoje a demanda está muito grande. Então, ia demorar um pouco”, diz a técnica de enfermagem Fabiana Barbosa de Lima.

 
Antes de as gêmeas nascerem, Fabiana trabalhava como técnica de enfermagem. Sem ter com quem deixar as meninas, ela teve que desistir do emprego. E, pagar as contas só com o salário do marido, fica difícil.

 
Fantástico: Quanto você gastaria para manter as duas em uma creche particular em tempo integral?

 
Fabiana: Tempo integral, gastaria mais de R$ 1 mil. Não teria como comer se eu fosse pagar creche para elas.

Em algumas regiões de São Paulo, a espera por uma vaga pode levar até um ano e três meses. Enquanto isso, creches prometidas pela prefeitura não saem do papel. Um exemplo é em um terreno em Brasilândia, Zona Norte da cidade. Era para ter uma creche, mas está tudo abandonado e só tem mato crescendo. A prefeitura chegou a instalar uma placa informando o prazo final de uma obra que ainda nem começou.

 
“A minha solução seria essa creche. Já era para estar aqui, né? Só um terreno vazio. É duro você olhar essa placa. Daria para trazer as meninas de carrinho”, diz Fabiana.

 
Em nota, a prefeitura alega que a creche em Brasilândia atrasou porque o terreno foi invadido por uma família. O processo para desocupação está na Justiça. Enquanto isso, nada de obra. No ranking de atendimento até os três anos, São Paulo está em terceiro lugar entre as capitais. Está próximo da meta de 50%, mas ainda precisa criar 120 mil vagas nas creches.

 
Ao redor do país, o que se vê são obras inacabadas ou atrasadas há anos. Umas ruínas em Manaus deveriam ser uma creche. A obra começou em 2012 e deveria ser entregue em 2013.

 
Até agora, nada, e mais criança esperando. “Tenho netos, tenho sobrinhos que nem conseguiram vaga”, diz dona Joice. A capital do Amazonas está em penúltimo lugar no ranking de creches. Atende apenas 7% das crianças até três anos.

 
E tem muita obra do Proinfância que nem saiu do chão, os terrenos estão vazios. Em Caxias do Sul, a prefeitura deveria ter construído oito creches. Chegou a gastar R$ 1,1 milhão preparando um terreno para a construtora fazer a obra, mas a empreiteira alegou que não tinha como cumprir os contratos. “Infelizmente, Caxias não vai conseguir entregar estas oito escolas no final desse ano”, aponta a secretária Municipal de Educação de Caxias do Sul, Marléa Ramos Alves.

 
A construtora MVC, responsável pelos projetos de Caxias, assumiu 350 obras do Proinfância em nove estados do Brasil. Até agora, só entregou 14. Em nota, a empresa alega que enfrentou atrasos na entrega dos terrenos e nos pagamentos das prefeituras, e culpa até a alta do dólar pelas dificuldades. Mas, mesmo assim, garante que vai terminar todas as 350 obras até 2016.

 
“A nossa contrariedade, dos secretários municipais, é que está se brincando com a sociedade, e não foi o município”, diz Marléa.

 
No meio de tanta confusão, a Justiça virou a alternativa para pais e mães que não têm mais como esperar. É na porta da Defensoria Pública que eles vão bater. Essas mães procuram a Defensoria, agendam e esperam três meses até conseguir encaminhar a documentação. A procura é tão grande que todos os horários de agendamento estão ocupados até dezembro. Hoje, quem chegar em busca de atendimento, vai ter que esperar até o ano que vem.

 
No ano passado, mais de 800 mães de Caxias do Sul só conseguiram colocar os filhos na creche com ordem judicial.
“Colocou o pé na Defensoria pedindo a vaga até botar o pé na escola pode demorar cinco a seis meses, diz o defensor público de Caxias do Sul Sergio Nodari Monteiro.

 
Foi exatamente isso que a Cláudia enfrentou para garantir o direito da filhinha Maria Augusta.
 
“Foram dois anos de espera. Fiz a primeira tentativa, não deu certo. No outro ano seguinte, não fui sorteada novamente. Daí, fiquei sabendo sobre a defensoria, procurei eles. E aguardei mais três para receber o resultado final. A escola é boa. Valeu a pena esperar. Só que a espera é longa, né”, destaca a cabeleireira Cláudia Lisiane da Silva. 

 
“Eu fiquei sabendo que ia inaugurar em 2013, engravidei em 2014. Bebê já nasceu, tem três meses e está aí do mesmo jeito. A obra não andou. A obra está parada, reclama a empresária Rosana Miranda Rodrigues, de Aparecida de Goiânia.

 
Entre 2012 e 2014, a cidade de Aparecida de Goiânia, que fica na região metropolitana da capital Goiânia, recebeu cerca de R$ 22 milhões do governo federal para construir 36 creches. No ano passado, fiscais da Controladoria Geral da União (CGU) estiveram na cidade e descobriram que várias não foram entregues.

 
“Mas não é atraso significativo”, pondera o secretário Municipal de Educação de Aparecida de Goiânia, Domingos Pereira.

 
A CGU apontou falhas nas obras, como orçamentos superfaturados. “Desperdício de dinheiro aqui. Tudo aí acabando. Isso aqui custou o nosso dinheiro”, afirma uma moradora.

 
E, das 36 creches, os fiscais disseram que apenas três estavam prontas. A prefeitura reclama e diz que o número está "desatualizado". “Primeiro que não são três, são quatro”, diz Domingos Pereira.
Ao redor do país, as prefeituras tentam se justificar. Culpam a burocracia. “Todo o processo do serviço público, ele tem uma burocracia muito grande”, afirma Domingos Pereira.

 
Culpam o governo anterior... “O governo anterior ao nosso prometeu cem creches e conseguiu fazer uma, diz a secretária Municipal de Educação de Manaus, Katia Schweickardt.

 
Culpam as construtoras... “Às vezes, a empresa privada, neste caso, acabou prejudicando uma política pública, diz a secretária Municipal de Educação de Caxias do Sul, Marléa Ramos Alves.

 
E culpam o governo federal... “São 2,5 mil municípios no país, R$ 9 bilhões de atraso. Então, por isso que nós queremos que esses recursos sejam liberados, e a gente poder atingir essas metas”, diz o presidente da Famurs, Luiz Carlos Folador.

 
Em nota, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela liberação das verbas do Proinfância para os municípios, "esclarece que não há atrasos no repasse de recursos" e se "identificadas desconformidades com o projeto aprovado, são geradas restrições que, até serem sanadas a obra fica impedida de receber novos repasses".

 
E, quando finalmente a obra termina, nem sempre foi feita de forma correta. “O que me admira mais é o fato da fiscalização, né? De alguém não ter fiscalizado isso antes de entregar a obra pronta”, destaca o presidente do Conselho de Pais e Mestres, Alexandre Mathias Bard.

 
Em Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, uma creche levou três anos para ficar pronta, uma obra que passou por três empresas. A primeira demorou tanto que a prefeitura rompeu o contrato. A segunda teve que consertar o que a primeira fez errado, mas também deixou uma série de problemas.

A terceira deveria ter resolvido tudo, mas, além das infiltrações, as crianças e os professores são obrigados a conviver com um cheiro forte de esgoto que toma conta de toda esta parte de trás do prédio, e fica ainda pior no verão. Isso porque a obra foi entregue sem um sistema de filtros e de fossa que estava previsto no projeto original. Resultado? A obra vai ficar R$ 230 mil mais cara.

 
Mas tem lugar no país onde as metas são cumpridas. Em Vitória, a capital do Espírito Santo, 81% das crianças de até três anos estão na creche e todas as de quatro e cinco já estão na pré-escola. Ter a vaga perto de casa é uma tranquilidade para Rosângela Bellon. “Ele veio para cá com um ano de idade, no maternal”, conta a autônoma.

Ela faz o que muitas mães gostariam de fazer: deixa o filho na creche e vai trabalhar.

 
“É preciso oferecer, é preciso disponibilizar a vaga. Há ainda muita dificuldade de inclusão, há muita falta de conscientização das famílias em relação aos seus direitos.
As famílias precisam ter a segurança, a tranquilidade que, se procurarem, vão encontrar esse serviço. Por isso, o desafio ainda é grande”, diz o presidente do TCE.

 
RANKING NACIONAL DE ATENDIMENTO EM CRECHES (CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS)
 
Fonte: TCE Rio Grande do Sul, com base em dados do IBGE 2012 e matrículas do Senso 2014
 
1 – VITÓRIA, ES – 81%
2 – FLORIANÓPOLIS, SC – 53,3%
3 – SÃO PAULO, SP – 48,9%
4 – CURITIBA, PR – 43,4%
5 – RIO DE JANEIRO, RJ – 38,7%
6 – PORTO ALEGRE, RS – 38,5%
7 – CAMPO GRANDE, MS – 36,6%
8 - BELO HORIZONTE , MG – 35,9%
9 – PALMAS, TO – 31,4%
10 – CUIABÁ, MT – 29,2%
11 – SÃO LUÍS, MA – 29,1%
12 – FORTALEZA, CE – 26,4%
13 – TERESINA, PI – 26,00%
14 – RECIFE, PE – 22,6%
15 – GOIÂNIA, GO – 21,9%
16 – NATAL, RN – 20,8%
17 – JOÃO PESSOA, PB – 18,5%
18 – BRASÍLIA, DF – 17,5%
19 – BOA VISTA, RR – 15,6%
20 – PORTO VELHO, RO – 15,0%
21 – RIO BRANCO, AC – 11,3%
22 – SALVADOR, BA – 11,0%
23 – MACÉIO, AL – 10,1%
23 – ARACAJU, SE – 9,1%
25 – BELÉM, PA – 8%
26 – MANAUS, AM – 7,2%
27 – MACAPÁ, AP – 4,9%

 
RANKING NACIONAL DE ATENDIMENTO EM PRÉ-ESCOLA (CRIANÇAS DE 4 A 5 ANOS)
Fonte: TCE Rio Grande do Sul, com base em dados do IBGE 2012 e matrículas do Senso 2014
 
1 – VITÓRIA, ES – 126,1%
2 – FLORIANÓPOLIS, SC – 116,6%
3 – TERESINA, PI – 102,7%
4 – SÃO LUÍS, MA – 101,1%
5 – CUIABÁ, MT – 100,6%
6 – SÃO PAULO, SP – 100,1%
7 – RIO DE JANEIRO, RJ – 95,2%
8 – FORTALEZA, CE – 88,8%
9 – BOA VISTA, RR – 86,3%
9 – NATAL, RN – 86,3%
11 – PALMAS, TO – 85,6%
12 – RECIFE, PE – 85,2%
13 - BELO HORIZONTE , MG – 84,9%
14 – RIO BRANCO, AC – 84,2%
15 – MANAUS, AM – 83,0%
16 – PORTO VELHO, RO – 82,9%
17 – CAMPO GRANDE, MS – 77,8%
18 – PORTO ALEGRE, RS – 77,6%
19 – BRASÍLIA, DF – 77,4%
20 – ARACAJU, SE – 75,7%
21 – GOIÂNIA, GO – 75,5%
22 – BELÉM, PA – 66,9%
23 – MACAPÁ, AP – 65,6%
24 – CURITIBA, PR – 65,4%
25 – SALVADOR, BA – 60,7,0%
25 – JOÃO PESSOA, PB – 60,7%
26 – MACÉIO, AL – 54,2%
Fonte: G1
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