RIO - Em vez de meninos, é um rato que nada na piscina do Centro de Socioeducação Dom Bosco (antigo Instituto Padre Severino), na Ilha do Governador, uma das 24 unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), para onde são levados jovens infratores. A imagem foi feita há dois meses por um agente do Degase e repassada ao sindicato da categoria (Sind-Degase). Funcionários do departamento filmaram ainda as condições precárias das galerias onde adolescentes deveriam ser ressocializados, como o Educandário Santo Expedito (ESE), em Bangu, e o Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo (CAI-Baixada).
Ao quadro insalubre se soma a superlotação das oito unidades de internação e de internação provisória do Degase, vinculado à Secretaria de Educação, onde estão 1.913 mil jovens infratores, de 12 a 21 anos incompletos. A capacidade total dessas unidades, no entanto, é 986 vagas. Com isso, diz o Sindicato dos Servidores do Degase, João Luiz Pereira Rodrigues, são dois meninos dividindo a mesma cama e até alguns dormindo no chão.
— Além disso, são jovens de várias facções criminosas convivendo, e os agentes trabalham em clima de tensão — diz João Luiz.
O Degase conta ainda com outras 16 unidades de semiliberdade, onde estão 503 adolescentes, embora os espaços tenham capacidade para receber 460 jovens. Nesses locais, os jovens realizam suas atividades fora da unidade, utilizando a rede pública (educação, esporte, cultura, saúde, lazer etc) e, durante a semana, dormem na unidade. Nos fins de semana, após avaliação do comportamento dos adolescentes, eles podem dormir em sua residência.
João Luiz lembra que um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado com o Ministério Público em 2006, estabelecia que seriam construídas quatro novas unidades. Apenas duas foram implantadas: em Campos e Volta Redonda.
— No ano passado, mais de 10 mil jovens foram apreendidos. Como atender tanta gente? Não existe investimento — reclama o presidente do sindicato.
Nas 25 unidades do Degase, trabalham 1.500 agentes, distribuídos por turnos. Dados do departamento revelam que o tempo médio de permanência de um jovem em uma de suas unidades é de um ano (o prazo máximo estipulado pela legislação é de três anos). Mostram ainda que o tráfico de entorpecentes (40,61%) e o roubo e o furto (36,62%) representam a maioria dos atos infracionais cometidos pelos adolescentes. Homicídio e lesão corporal correspondem a 3,61% e outros crimes, 19,16%.
Para João Luiz, há uma falha no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estipula que as medidas socioeducativas não podem ser punitivas.
— Isso é complicado no caso, por exemplo, de um jovem que comete um homicídio ou um estupro. Mas como as medidas não podem ser punitivas, os juízes acabam levando em conta o comportamento do menor para soltá-lo — afirmou.
Em sua defesa, por e-mail, o Degase alega que “toda e qualquer progressão dentro da medida socioeducativa é determinada pelo Judiciário. O relatório feito pelas equipes técnicas das unidades do Degase é somente um dos itens utilizados para instrumentalizar a decisão do juizado. Ainda são levadas em conta pelo juiz as provas, os depoimentos dos jovens, de seus familiares, e de testemunhas, entre outras coisas”.
Uma equipe do deputado estadual Flavio Serafine (Psol) acompanhou, no dia 23 de maio, o grupo do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Alerj, a uma visita ao Centro de Socioeducação Professor Gelso de Carvalho Amaral (Cense-GCA), na Ilha do Governador, conhecido como porta de entrada do Degase, ou seja, onde o adolescente que recebe uma medida de restrição de liberdade permanecerá até ter definida a unidade à qual será encaminhado. Serafine disse que a situação encontrada foi deplorável:
— Os jovens, que deveriam ficar nessa unidade superlotada cerca de 72 horas, permanecem ali por 20, 25 dias. Não saem das celas durante toda a permanência na unidade, nem têm qualquer atividade pedagógica, esportiva ou educacional. As condições das celas são insalubres, e as precárias condições de higiene provocam um odor insuportável. Faltam colchões e lençóis e muitos jovens dormem no chão.
MÁQUINAS SEM ROUPAS PARA LAVAR
Chamou a atenção da equipe ainda o fato de a quadra poliesportiva, que se encontra em bom estado, não poder ser utilizada pelos internos. A argumentação da direção da unidade é que o espaço está sendo utilizado para guardar algumas máquinas de lavar que o Degase recebeu como doação. Só que os internos não têm uniformes para serem lavados, pois as roupas não são fornecidas pelo governo, devendo ser levadas por familiares.
Máquinas de lavar na quadra do Degase. A quadra não é usada por conta das máquinas, que foram doadas, mas que também não são usadas - Divulgação/Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Alerj
Com cem vagas, a Professor Gelso de Carvalho Amaral tinha 167 jovens no momento da visitas. Por turno, há dez agentes responsáveis por esses meninos.
No site do Sind-Degase, uma foto tirada na cozinha do Centro Socioeducativo Professor Antônio Carlos Gomes da Gomes da Costa, na Ilha do Governador, que interna meninas infratoras chama a atenção. Agentes flagraram o momento em que dois ratos passeavam sobre o fogão onde é feita a comida para as internas e os funcionários.
O Degase não autorizou a entrada do GLOBO em nenhuma de suas unidades. No entanto, um grupo de seis adolescentes, de 14 a 18 anos, que estão numa unidade de semi-liberdade (podem sair para estudar e trabalhar, retornando à noite) no Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente (Criaad) da Ilha do Governador, relataram a sua insatisfação.
— A comida é horrível na Dom Bosco (antiga Padre Severino) e aqui. Já serviram comida estragada. E precisa ver o caroço do feijão. É grande e duro — conta X., de 14 anos, apreendido por roubo.
O colega Z., de 18, também apreendido por roubo, acrescenta:
— Na Dom Bosco a gente não podia nem sair da cela e ainda tinha que dormir no chão.
J., de 16, que traficava, reclama até de maus tratos:
— De vez em quando, jogam spray de pimenta na gente.
Por e-mail, o Degase (agora chamado de Novo Degase) garante que “está garantindo o atendimento a todos os jovens que cumprem medidas socioeducativas no departamento, servindo cinco refeições diárias e ofertando atividades de cultura, esporte e lazer, além de possuir uma escola estadual dentro de cada unidade de internação”.
Afirma ainda que “qualquer denúncia que chegue ao departamento é prontamente apurada”. E que “em todos os casos, são abertos processos de sindicância pela Corregedoria e, quando necessário, encaminhamento para apuração criminal via Ministério Público, com o devido registro na delegacia de polícia.”
O órgão acrescenta que “repudia qualquer ato de violência que possa ocorrer nas unidades de atendimento socioeducativo”. Além disso, informa que “as unidades recebem visitas da Defensoria Pública e Comissariado do Poder Judiciário, além das inspeções do Ministério Público, Conselhos de Direito e demais mecanismos de controle. Todas as exigências para melhoria no atendimento aos adolescentes são prontamente atendidas”.
Fonte: O Globo
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